A sua menina
Foi você que me fez conhecer o encantamento de receber flores, lembro-me da captura do momento, do instante, do quão maravilhada fiquei após aquele gesto tão inesperado e bonito, mas ali, em posse das margaridas brancas mais lindas que já floresceram, no silencio de cada flor daquele buquê, você me disse o quanto eu era sua menina.
A sua menina! A qual não deveria crescer, que não poderia chorar, que não merecia sofrer, pois era sua menina, sua: de olhinhos assustados e encantados pelo mundo visto do alto de seu ombro; você não me criou para o mundo, você me fez sua, de maneira a me fazer acreditar que o mundo inteiro era o seu colo, e que nenhum outro alguém poderia me arrancar dos seus braços, afastar-me de você.
Nós viajamos juntos, e dai nasceu o meu amor pela terra Minas, você me protegia como se eu fosse a coisa mais preciosa de todo o universo, seus olhos não saiam de mim, suas mãos gigantes me cuidavam de todas as formas, de todos os perigos, você me fazia sentir a pessoa mais importante de todo o seu mundo, e o seu mundo para mim era todo o meu universo.
A sua menina, a sua criança, a sua filha, sua, sua, sua, mas crescer era preciso e inevitável, e então você acreditou no que se perdeu, você não conseguiu mais enxergar a menina que cabia no seu colo, tudo ficou muito estranho, e as mãos que protegiam começaram a desfazer os pequenos castelos de areia da menina que precisou crescer para salvar a si mesma.
O encanto se desfez, e a mim coube saber que você não fazia parte de um conto de fadas, você era real, precisei deixar de amar o personagem, para amar o homem pai, falho, humano, inquieto, você se enganou quando me viu crescer, e imaginou que não precisaria mais de você, se enganou ao pensar que eu não caberia mais no seu colo, mas Pai, eu nunca deixei de ser menina, de ser a sua menina, a sua criança, a minha mão sempre precisou da sua, o meu mundo sempre precisou do seu colo para não ruir, as minhas lagrimas sempre precisariam do seu ombro, a minha vida sempre precisaria da sua; e ainda que agora eu saiba que você vive em outra dimensão, longe de toda a dor a qual seu corpo físico não suportou, ainda que eu tenha toda a compreensão espiritual necessária para compreender a sua partida, ainda assim, eu preciso de você, preciso que você saiba o quanto sou apenas a sua menina, a sua filha, a sua criança, e tal qual na época de minha infância, neste momento me encontro buscando a tua mão para aprender a caminhar novamente.
Posso e irei escrever palavras belas sobre você, irei contar a nossa história, a nossa vida, mas hoje, agora, preciso dizer a verdade sem adaptar a realidade com beleza, preciso ser crua, franca, nua e transparente ao declarar: estou muito triste, muito triste, estou muito triste, estou muito triste. Não sei dizer quando sorrirei outra vez, não sei precisar quando essa tristeza se transformara em outra coisa que não seja tão somente tristeza, não sei o que irei fazer com essa loucura tão grandiosa, sei que irei continuar da mesma maneira que você continua em um lugar longe de toda e qualquer tristeza, dor, sofrimento, irei continuar da melhor maneira possível, irei vencer a vida como você combateu o seu bom combate, irei guerrear a cada dor como você se portou frente a tantas dores, serei cada vez mais parecida com você em mansidão, calmaria, desprendimento. Optarei pelos mais humildes, pelas sabedorias que não são descritas em livros, escolho a simplicidade como uniforme para batalhar pela vida, irei ouvir os pássaros, serei melhor, serei melhor, sem jamais deixar de ser apenas a sua a menina.
A sua menina.
Caminhe em paz meu amor, caminhe de cabeça erguida por esta estrada luminosa que lhe aguarda, siga sentindo todo amor possível que há em mim, vá de encontro aos braços dos seus que lhe esperam em festa por tão bonita ter sido a tua jornada de luta e coragem.
Não termina aqui! Até breve meu Pai!
D.S.L