A vida não é uma ciência exata*: uma das definições mais clássicas e verdadeiras de que tenho noticia.
Não há nessa deslumbrante e transitória passagem por esse mundo algo que possamos pensar com exatidão, estamos aqui, seguimos em frente, um dia após o outro, ou melhor, um quintilhonésimo de segundo após o outro, uma fração caprichosa do tempo que muda, e se agiganta, sem rota, sem rumo, sem cama elástica, cinto de segurança, ou para quedas, estamos aqui, seguimos em frente, e é isso.
Irão dar vários nomes para sua dor: aprendizado, crescimento, maturidade, karma, destino, resgate.
Irão oferecer ajuda: leia isso, faça algo novo, saia de casa, simpatia, pule vinte ondas, de três passinhos para a direita; não vai ajudar. Há somente o tempo, o dono do que é agora e do que será no instante seguinte, pois a tudo ele observa, e sorri, sabidamente é um contador de historias, varias delas, todas engolidas pelo desejo ardente de viver, surradas pelas tantas horas de solidão que o querer implica; quem sabe a morte angustia de quem vive, quem sabe a solidão fim de quem ama… Diria meu amigo*
Não dará certo porque você sonhou, quis ferrenhamente, depositou toda fé, ainda assim pode não dar certo, não é um calculo matemático, com formula e resultado, ação e reação, não pode ser explicado, não dependente exclusivamente de você, ou do tamanho de sua paixão, assim como não tem explicação o mundo ter se tornado um lugar estranho e ruidoso, tão diferente do colorido que ele ganhou quando você chegou.
Um mundo inteiro cheio de fragmentos dessa inexatidão da vida, os quais semeiam uma saudade que caminha estampada, abrindo o peito fragilizado e salgando os olhos que tentam disfarçar quando o mundo grita querendo algo de você, porque é isso que precisa ser feito: continuar navegando por essa fração caprichosa do tempo, no aguardo da tão inesperada e triunfante fração de segundo seguinte.
A vida se transformou em uma imensa caixa azul a qual já não é capaz de guardar as palavras, a saudade, as lembranças, porque tudo teve vida, sentido, sonho existindo em tardes ensolaradas na grama verde, e dança na cozinha, o riso refletido no espelho enquanto escovava os dentes, os dias incomuns de paz e plenitude, a falta de sono e a presença de amor, sem despertador, sem cansaço, o café fraco, o bilhete sobre a bancada, um bichinho acuado, bobo, um bichinho adoecido de amor, um anjo branco cúmplice de todas horas, o qual em silencio nos protegia e parecia abençoar. Tudo muito simples, muito bobo, pequeno, mas de uma preciosidade imensurável, e que agora se alimenta de mim como um vírus que corroí o corpo inteiro, corroí horas, sorrisos, vontades e desejos, enquanto me pergunto: o que sobrou de mim? O que foi feito da promessa de ser feliz?
A vida não é uma ciência exata*, e isso não basta, não explica, não direciona, ainda que seja aceito, e seja verdade, jamais bastara, diante de algo tão maior que a ciência, e resultados matemáticos, e das probabilidades todas, das ações na bolsa, dos possíveis infinitos, algo muito maior, incomensurável.
D.S.L
* ilustração retirada do filme Boa Sorte, dirigido por Carolina Jabor com roteiro de Jorge Furtado e Pedro Furtado
* frase atribuída a Damião Fecher
* menção a Soneto de Fidelidade do poetinha.