O corpo ardia em febre sem sinais de doença. A carne queimava, o frio delirante lhe fazia tremer de tal maneira que temiam ver sua alma saltar do corpo.
Estudiosos, cientistas, alquimistas tentaram curar o que todos chamavam de doença.
Xamãs, padres, espíritas, invocaram seres de luz, horas a finco de oração profunda, preces, e toda a graça que poderiam merecer dos céus.
É causa de perdão? Questionavam-se. Padece de loucura sussurravam uns aos outros. É coisa que não se vê: feitiço, ainda sem razão de ser, pois testemunhamos suas boas obras. É dores do coração romantizavam os poetas; é falta de salvação decretavam os protestantes; é coisa de morte, tal qual a vida é coisa de vida, e fim de trilha e de conversa, que aceitem suas ultimas horas, lia-se nos lábios dos incrédulos, tão acostumados ao comodismo, a eles o impossível é prosa inventada por sobra de tempo.
A família foi deixando o leito, eram muitos de inicio: primos, tios, tias, padrinhos, irmãos, amigos que foram voltando para seus dias, apenas a mãe fincou pé e questão, a quem sacudia a cabeça como se a morte fosse inevitável, bradava que a vida traria de volta a luz.
Desde que acometida ao leito não comia, nem bebia, mas trazia na face a maquilagem da dor que parecia lhe enfeitar e tornar ainda mais delicado os traços de seu rosto, intercalava horas delirantes em que transformava o gemido em melodia, era como se cantasse em algum lugar desconhecido pela compreensão e familiarizado a felicidade…
Todos foram acordados por raios e trovões que suspenderam as luzes da manha e deram aos céus um negro temeroso de juízo final, os animais inquietaram-se, o gado corria desgovernado, cachorros latiam incessantemente, pássaros se debatiam rebeldes nas janelas das casas, o vento soprava como se a fúria do tempo fosse tragar todo o universo em apenas um instante. A quem tem fé coube oração, a quem a perdeu ou nunca a possuiu o medo, ninguém saia, nem chegava, em comum todos desejavam que todo aquele instante simplesmente passasse, foi quando o primeiro clarão do dia rompeu a escuridão que teimava em não ir embora, permitindo ao céu que cessasse a tempestade.
Ela enfim abriu os olhos. Sozinha e em silencio sentiu as vestes geladas e engomadas pelo suor do delírio, ainda desorientada caminhou ate a janela fechada, sem pressa ergueu as trancas, e cerrou os olhos novamente para respirar o novo ar daquela manha orvalhada pela chuva cheirosa feito aroma de uma novidade feliz onde o sol repousava no céu tranqüilo, e o mundo novamente regressava a seu berço de calmaria amparado pela graça e misericórdia de Deus.
A vida sabotou a morte é o que disseram!
Coube a ela explicar que sonhou durante todo o tempo em seus dias de leito, não os contou a ninguém, guardou para si os desenhos de sua alma; sonhos tão bons e bonitos que deram novamente ao coração a chance de liberdade para que o peito outrora ferido ardesse novamente envolto a esperança.
Dos desenhos de sua alma fez-se saber: os sonhos liberam graça e amor aos que crêem, e convertem os que perderam a fé.
D.S.L