Raros, Por João dos Anjos

As veias saltavam nas costas das mãos acinzentadas e ressecadas pela lida com o cimento, palmas ásperas e calejadas, os dedos grossos como uma parede rebocada. A cara, na altura dos olhos tinha os cantos enrugados de sol, uma cor acobreada que condenava: a vida me castigou cedo. Foi preciso lutar para vencer a fome e a solidão de criar oito irmãos lançados a própria sorte desde que o pai foi assassinado de maneira covarde e cruel.

Uma morte sem sentido, ignorante, que feriu muita gente.

Um forasteiro desavisado que não honrou o pagamento da construção de um telhado. Pai foi alvejado pelas costas quando de manha bem cedo em forma de protesto pelo não recebimento dos valores que o sujeito lhe devia, subiu até o segundo andar do sobrado de marreta em punho e começou a quebradeira que lhe tirou a vida; quem viu a cena jura que pai voou do telhado como se tivesse asas, alguns pedindo desculpas antecipadas relataram beleza no bailar do corpo no ar, mesclado pelos primeiros raios de sol daquela manha em que toda uma vida de honestidade, trabalho e amor foi encerrada com o baque ensurdecedor do corpo ensanguentado que terminou no chão áspero do homem que se quer cumpriu pena, o sujeito tinha as costas quentes e o peso de varias mortes sobre elas.

A cidade se alvoroçou por uns dias, quiseram linchar o amaldiçoado, mas o advogado o enfiou em seu fusca velho e rumou com o cabra estrada a fora, nunca mais se ouviu noticias do sujeito, nunca mais minha mãe voltou a ser alegre.

Herdei o oficio, oito irmãos, uma casa, ferramentas velhas, duas vacas, meia dúzia de porcos, e uma mulher triste que fazia um esforço tremendo para manter-se de pé, criar os filhos e se juntar ao amado em um céu prometido, um lugar bem mais feliz e justo do que esse daqui. Chorava quando nos olhava nos olhos e declarava romântica e sombria: ainda pelejo com vida por vocês.

Segurando uma bandeja ela surgiu e logo o ar se embriagou com seu perfume chamando minha atenção, estava terminando de alinhar os três metros restantes da porta da sala ao portão; quando a vi tirei o boné e parei a vida nos olhos dela que caminhou pelo cimentado fresco estragando o serviço de um dia inteiro de trabalho, não atentei, estava em transe. Diante de mim ofereceu o copo: água fresca e gelada que bebi com gulodice sem tirar os olhos dos dela, nos tornamos raros um para o outro naquele instante.

Ela abandonou a família (não o contrario) a qual mais cheia de poses do que posses: definhava. Movida pela coragem de um amor tão necessário quanto respirar, foi dividir a vida comigo num casebre construído com muito suor e esforço na terra de chão batido que pertencia a meu pai. Da casa ancestral fez questão apenas dos livros, quando acusada de perdida, devolvia resoluta: escolheu o amor, o simples, trocou a ilusão de princesa que sonharam pela vida real, de fato não nascera para usar coroa, rebuscada por pessoas que cheiram muito bem enquanto a alma apodrece, gritou corajosamente: nasci para ser feliz!

Em noites quentes sobre um teto coberto de estrelas, e uma lâmpada fraca, acesa em frente de casa, lia seus livros nos levando para seu mundo encantado, às vezes contava estórias inventadas ao tempo e a hora de uma imaginação que transformou não só minha vida, como a de meus irmãos, e de minha mãe a qual com sua presença tornara-se menos triste.

Toda essa conversa, que em alguns momentos parecia soar como prosa, noutros posto drama, para lhes dizer que ser amado é o que nos faz raros, engana-se quem acredita no dinheiro, fama, e qualquer tipo de posse material que nos diferencie ou nos classifique nessa vida, somos todos comuns, iguais, não há nobreza, ou sobrenome que salve, a salvo apenas os poetas ainda que platônicos.

Ser amado é o que nos faz raros, condutores de uma luz diferente, única e divina que passa a nos guiar.

Não é questão de escolha, ou opção, somos escolhidos, e só assim dessa forma: com a alma perfumada, é que nos tornamos verdadeiramente presenteados por uma vida incrível, intensa, e extraordinariamente bela.

D.S.L

trab

 

 

 

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Autor: ela...

Elaine. Ela. Helena. 17. Setembro. Há alguns anos atrás. Ascendente em peixes. Brasil. Santista de nascimento. Baiana de descendência. Mineira de coração e endereço. Muitas e de muitos tamanhos. Letras, palavras, frases. Nossa Senhora Aparecida. Família. Música. Sol. Brisa. Luar. Prefiro mar. Branco. Tenho uma irmã mais nova. Minha maior paixão tem mais de 100 anos. Abraço. Meu pensamento é hiperativo. Tenho os melhores amigos. Cometo ao menos um erro todos os dias. Converso com Deus. Já mudei de emprego três vezes, já mudei de vida outras varias. Por do sol. Não faço nada sem dois ingredientes: paixão e entusiasmo. Primavera. Beijo. Horizonte. Esperança. Cinema, quadros, composições. Já machuquei quem não merecia. Olhar. Exagerada e sensível. Carente. Bagunceira. Transparente. Meu primeiro livro publicado e grande orgulho: Quando Florescem as Orquídeas. Tenho um blog e uma coluna semanal em um jornal do interior. No mais sou abençoada. Sei dizer apenas que tudo passa!E que eu sou bem feliz! D.S.L

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