Depois de tudo restou à sujeira na casa, os copos vazios esparramados pelas mesas, restos de comida povoando o chão, dava pra sentir o cheiro de cigarro no ambiente, e o sapato grudando a cada passo pela bebida derramada.
Luzes ainda estavam acesas, esquecemos o som ligado durante a madrugada inteira, baixinho, tocava uma melodia suave que acompanhou o fim da festa.
No quarto restava eu e você, com dez anos de historias…
Você tinha mudado tanto, não apenas fisicamente. A barba crescida e os quilinhos acima do peso era o que menos havia chamado minha atenção.
Não parecíamos estar juntos em muitos momentos, as vezes me perguntava o porque de continuarmos na mesma estrada, por insistência sua talvez, afinal todas as vezes que quis ir embora, você relembrava aquele rapaz romântico do inicio, e me reconquistava novamente, outras vezes eu reconhecia que apesar de todos os escudos que você usava, o que realmente restava no fim das contas do homem forte, que parecia dominar o mundo com seus vários negócios, era apenas um garoto assustado.
Não queria festa, preferia ter viajado sozinha com você, mas essa era a questão: o que mais mudou em você foi o fato de já não conseguir ou não querer estar apenas comigo, não ficávamos os dois juntos, parecíamos não suportar a companhia um do outro, precisávamos sempre estar acompanhados de uma terceira pessoa.
Você despertou olhando pra mim, ou eu olhando pra você, não sei.
_ Já acordou?
_ Quero ir a praia, você me acompanha?
_ Ainda nem acordei – respondeu virando de bruços
_ Sem problemas, vou sozinha, depois você me encontra.
_ Pode ser, liga pro pessoal, poderíamos fazer algo hoje.
Era isso, nunca eu e ele, já não éramos dois, não nos completávamos, não conversávamos quando a sós, o amor parecia uma obrigação mensal, apenas para manter o corpo e libido em dia, algo necessário, quase que automático.
Sorriamos para todos a nosso redor, raramente um para o outro, nossas conversas eram cercadas por coisas de casa, e sobre todos os “contatos” que ele mantinha relacionados aos negócios.
Gosto de lembrar dos sonhos incomuns de outrora, filhos, cachorro, a exposição de fotos que ele sempre quis fazer, minhas aulas de piano, todas essas coisas haviam ficado num passado tão distante, já não despertávamos o desejo naqueles que já não conseguiam mais sonhar, nos tornamos vazios e sem vida.
Filhos acabariam com os planos dele de viajar, a exposição de fotos deu lugar a uma mesa repleta de papeis inúteis que contabilizavam números e nenhum tipo de prazer, paixão; minhas aulas de piano deram lugar as de alemão, pois ele precisaria de alguém que aprendesse a língua, e logo que sempre estava a seu lado tudo ficaria mais fácil.
Depois que nos casamos tudo girava em torno daquele maldito emprego novo, e de todo o status que o mesmo nos trouxe, uma posição social que ano após ano foi consumindo tudo o que tínhamos de mais importante e bonito, até mesmo os velhos amigos foram deixados de lado.
Repensei todos aqueles dez anos caminhando pela praia, já distante de casa, depois de muito ter caminhado, ouvi uma voz que gritava incansavelmente pelo meu nome, foi então que o avistei, e como quem já não quer voltar para a mesma vida continuei minha caminhada, desta vez acompanhada apenas da coragem de seguir sozinha.
D.S.L