Vivemos de palavras, mesmo sem compreender ao certo, tudo se move através delas, inclusive a vida. Conversas, cartas, são elas que tornam possível o entendimento, o pensamento, a expressão.
Para um musico é fundamental pensar em uma letra, mesmo diante de uma sinfonia sem palavras escritas, é imaginado no pensamento cada frase que a melodia naquele instante o remeteu, e assim interpretado individualmente aqueles que a ouvem.
Um escritor vive de palavras, elas parecem morar dentro de um lugar que ele próprio desconhece, mas que permanecem ali, prontas a se juntarem, dando sentido a algum sentimento, seja ele imaginado ou real.
Gostaria de escrever somente coisas bonitas, cheias de esperança, mas nem tudo que se vê ou se ouve é sempre dessa forma, sendo assim é preciso também falar de dor.
Coloco-me no lugar dos haitianos, por dias tenho pensado na trágica rotina que acometi a todos naquele pais, e também o mundo fora dele que tem acompanhado, sendo solidário ao menos em perplexidade.
Todos nós lutamos pela vida todo dia, sem cessar desafiamos a morte todas as manhas e noites em que adormecemos e amanhecemos vivos, porém ela nos assalta de forma inesperada sempre.
Imagine por um instante perder tudo o que você conhece, estar sentado numa escola, numa igreja, em casa, estar a caminho de algum lugar e de repente ver tudo a sua volta ruir, destruir-se como se jamais tivesse existido. Pergunto-me o que cada um estaria fazendo no momento em que a terra começou a tremer, e o que cada um esta a fazer agora após tamanha destruição, onde esta o pensamento no amanha, os planos e coisas cotidianas que não se realizaram, ceifados por um acontecimento que ninguém previu, uma tragédia sem culpados.
Fecho os olhos e vejo dor, desespero.
Sinto as mãos empoeiradas, secas, rachadas, por incansavelmente estar a procura de uma vida, diante de tantos escombros. Sinto cheiro da morte, dos corpos que se misturam junto ao pó de onde viemos.
Choro as lagrimas das crianças perdidas nas ruas, sem casa, sem berço, sem colo, perderam-se dos pais e muitas delas jamais voltarão a encontra-los, sofro a dor no peito da mãe que se quer encontrou o corpo de seu filho para sobre ele chorar, sinto as dores após toneladas de objetos atingirem o corpo, pergunto-me o que fazer com os dias que irão seguir, como conviver com a lembrança do que não mais existe, como estabelecer harmonia diante da possibilidade de tudo ruir novamente.
Entôo, as palavras derradeiras que ela* proferiu em defesa da vida, sem sentir que a morte a esperava, morreu pelo amor, sendo ele o ultimo sentimento que estava em seu coração, assim como por toda sua vida. Salvou a muitos, e num ultimo instante teve sua alma salva por Deus, repousa agora em paz, a mesma que sempre plantou em terras tão secas e sem esperança.
Cerro os olhos ainda tristes, o coração parece balançar dentro do peito, como o tremor que a tudo destruir, da mesma forma querendo destruir a quem sobreviveu, porem assim como a terra parou de tremer, o coração se acalma, não sem medo, não sem duvidas, mas com a certeza que a única coisa a ser feita agora é reconstruir a tudo, com a ajuda de todos, tendo a fé e a esperança como aliadas, servindo como exemplo a muitos que diante de qualquer tropeço, problema,ou desilusão pensam em desistir.
Sobre as palavras que mencionei no inicio deste texto, desejo sonhadoramente que elas se transformem em energia, chegando ao coração dos sobreviventes em forma de força, ao resto do mundo em forma de com compaixão e solidariedade.
D.S.L
* Em menção a Zilda Arns