Ele vivia na batucada, era mestre-sala e mais que seu tamborim só amava a ela, sua mulher mais bela.
Pela a vida afora teve muitas outras, loucas.
Assim como tocava seu cavaquinho, tocava-as também, diziam todas que depois dele era impossível ter outro alguém.
Desde que a conheceu sua vida mudou, não largou o samba, não largou a noite, mas tornou-se homem amante de um só coração, mais tarde saberia que esta seria sua grande ilusão.
Trabalhava sem importar-se muito com o que acumulava de bens materiais na vida, preferia não ter muito o que guardar, gostava mesmo era de ter o que lembrar.
Historias de noites encantadas, tardes em rodas de samba enfeitiçadas, era ele a voz do morro que cantava alto: que de tudo na vida o amor era o que mais valia.
Tinha amigos por toda a parte, era baluarte das melhores festas de sua cidade.
Optou não ter filhos, mas era pai de muitos pequenos, deixando aos mais novos a magia da musica, o gingado da dança, a eternidade do samba.
O carnaval era o ponto alto de todos os anos, ali na avenida junto a sua escola, erguia sua bandeira, parecendo comemorar em quatro dias uma vida inteira, vivia para isso, afinal desde pequeno seu pai, bamba dos mais intensos, o ensinara o oficio de ser feliz com o que a muitos parece pouco: musica, amor e um samba torto.
Dizia-se menino, aprendiz de todas as manhas, aluno das historias que ouvia, não acreditava na maldade, preferia crer que quem as cometia na verdade desconhecia a magia de levar a vida de leve, como quem dança um samba no miudinho. Desconhecia a falta de fé, de sonhos, vivia de um brilho que nasceu com ele em seu olhar.
Tinha um sorriso largo, sapeca, vivia a fazer rir os mais carrancudos, e a chorar os mais sensíveis com a letra de seus sambas de amor, de paixão, de lição.
A cerveja não podia faltar, a carne de segunda na churrasqueira, a camisa de linho a adornar, os sapatos sempre brancos, o chapéu desenhando e guardando as idéias na cabeça, argumentava que não se separavam, pois assim nenhum invejoso roubaria as poesias que viviam em seus pensamentos.
Era um poeta, mas ao entregar-se a um só amor, descobriu a pior das ilusões, aquela que parte o coração.
Traição: este foi o nome de sua desilusão.
Seu amor maior se deixou levar não por outro amor, mas pelo apelo da carne, por um desejo sem motivo, sem razão, traiu-o com uma simplicidade não imaginada.
Eram mais que amantes, se completavam.
Ninguém pode acreditar, quando ele chegou no bar a cantar um samba triste que dizia: que tudo enfim havia terminado e que de uma historia de amor outrora feliz restavam apenas dor e lagrimas.
Chegou em casa mais cedo, era noite da escolha do samba, entrou no quarto e sobre a cama com outro ela havia adormecido. Não gritou, não pensou, saiu, e só então quando ela o foi encontrar já sabendo do que ele havia visto, ajoelhou-se a seus pés a implorar perdão.
Com olhos de tristeza, respondeu-lhe com uma única palavra: não!
Nunca mais ouviu de sua boca outra palavra, e assim foi também a todos os outros, calou-se, não mais restava-lhe nada na vida, a não ser a dor, deixou o samba, mas em despedida escreveu uma ultima letra que dizia: não posso mais, não mais ser feliz, e escrever sambas felizes, sem acreditar que o amor existi.
Dizem que ela morreu de tristeza, e ainda em seu ultimo suspiro chamou por seu nome, lhe implorando perdão. Ele não mais foi visto, ninguém sabe se ainda é vivo, após terem matado seu coração, acredita-se que não.
D.S.L